Criar sem técnica: possibilidade real ou ilusão?
Edição #02: Para quem está se descobrindo artista, começar a criar sem técnica é um desafio doloroso e gratificante ao mesmo tempo.
O que você encontra nesta edição de Por trás da Artista:
Um ensaio sobre como estão sendo meus processos criativos desde a época em que comecei escrever até o momento em que passei a explorar outras formas de expressão, como os desenhos + reflexões sobre o papel da técnica (ou a falta dela) nessa jornada;
3 dicas de prompts de criatividade para começar a criar mesmo sem técnica.
Desde pequenos, o mundo insere na nossa cabeça que, para ser muito bom em algo, é preciso de técnica. E, apesar de não discordar desta afirmação sob um certo ponto de vista, ao mesmo tempo acho que nem todo mundo quer ser muito bom em algo.
Em termos de artes, por exemplo, tem gente que só quer criar para se divertir, relaxar ou se expressar sem pressão, e está tudo bem também.
O discurso sobre a técnica nos trava de uma maneira absurda, porque nos faz acreditar que nada do que criamos é bom o suficiente. E falo isso por mim mesma.
Sempre gostei de atividades manuais, mas acho que nunca levei nada muito a sério porque sofri uma lavagem cerebral que me fez crer que não tinha como criar algo bom se nunca havia estudado sobre o assunto, seja desenhos, colagens, escrita, pintura, cerâmica ou qualquer outra coisa.
E tenho certeza de que muita gente se sente assim porque a técnica, por mais importante que seja para evoluir, também pode se tornar uma espécie de prisão. No desenho, por exemplo, você passa a acreditar que se não conhece cada fundamento da perspectiva, de luz e sombra e de proporções, jamais criará algo de valor.
Escrita sem técnica: aonde isso vai me levar?
Quem me acompanha há mais tempo sabe que a minha jornada como artista se iniciou na escrita. Eu amo me expressar pelas palavras, mas hoje já não me enxergo fazendo apenas isso.
O fato é que o meu mundo desabou quando recebi alguns feedbacks de escritores bem mais renomados do que eu sobre o meu estilo que, até então, eu acreditava ser literário. Descobri que eu ainda precisava “comer muito feijão com arroz”, mas até aí tudo bem.
O grande ponto da questão é que, ao determinarem que meu texto não tinha técnica o suficiente, seja por pecar pelo uso excessivo de advérbios ou pelo tom de autoajuda em alguns momentos, acabei acreditando que nada do que eu escrevia era bom e tinha valor.
Há o que melhorar? Com certeza. E o papel dos professores é nos indicar nossas falhas.
Mas, após pensar muito sobre o assunto e, confesso, viver algumas crises existenciais, me dei conta de que:
O sonho de ser uma baita escritora renomada com prêmios e vivendo dos meus livros nem habitava mais dentro de mim. Era mais uma ilusão que eu tinha criado para mim no começo dessa caminhada.
Já que eu nem tinha mais esse tipo de ambição, por que desvalorizar tanto a minha escrita? Por que não enxergar a potência que existe nela e que me ajudou a chegar até aqui?
Outro dia, conversando com a Laís Schulz, ela me contou que passou por uma crise similar em relação à escrita dela, até aprender que seus textos se encaixavam na categoria de “Ensaios” que, de acordo com o Google, são:
“Textos que expõem ideias, reflexões, críticas e impressões pessoais sobre um determinado tema. É um gênero textual que se caracteriza por ser opinativo, argumentativo e expositivo.”
E tudo fez sentido na minha cabeça depois disso. Outra amiga, a Renata Stuart, também compartilhou a mesma dor e me contou que, depois da sua crise, passou a aceitar sua escrita pelo o que ela é porque simplesmente quer derramar a sua essência em palavras e se conectar com as pessoas que a leem.
O que eu quero dizer com isso é: tudo bem se você não domina todas as técnicas literárias e não vai ganhar um Prêmio Jabuti por isso. Talvez você nem queira esse tipo de reconhecimento… Talvez, assim como eu, você só queira escrever para se expressar, se encontrar e se conectar de alguma forma com quem se identifica com a sua história.
E a sua escrita como ela é hoje pode te levar até esse lugar.
Hoje, com dois livros publicados, olho pra trás com um mix de vergonha e orgulho do que criei. Vergonha porque sei que o resultado final poderia ser bem melhor. E orgulho porque sei que a Bruna daquela época fez o melhor que podia.
Agora, a minha jornada com a escrita não é baseada em chegar ao topo. É sobre me conectar comigo mesma e com o mundo. E pra isso não preciso dominar todas as técnicas.
O equilíbrio necessário entre: soltar as amarras e abraçar a técnica
Mais grande B.O. rolou quando comecei a explorar outras formas de expressão que dominava muito menos do que a escrita.
Já vinha experimentando as colagens desde 2020, mas foi em 2024 que o chamado ficou mais forte e, de forma muito despretensiosa, comecei um diário ilustrado.
Basicamente, peguei um caderninho, tipo um sketchbook, e comecei a desenhar cenas, objetos e pessoas do meu dia a dia. Técnica? Zero. Assisti a algumas aulas de dois cursos online da Domestika e resolvi me aventurar.
Não por acaso, meus desenhos têm uma pitada meio infantil porque até então não sabia trabalhar perspectiva, luz e sombra, e por aí vai… Eu queria me divertir e, por isso, desenhava com lápis e pintava com canetinhas, algo prático, que pudesse levar pra qualquer lugar.
Mas, com o passar do tempo, fui sentindo que não conseguia reproduzir no papel várias cenas, pessoas e objetos, e isso foi me incomodando. Por mais feliz que eu fosse criando, aqui a falta de técnica aqui, acabou se tornando uma barreira.
Ela era necessária para continuar criando o que eu gostaria. Sem técnica, eu ficaria estagnada, limitada e frustrada, percebe?
Queria ter a liberdade de me sentar em um café ou ir ao parque e conseguir desenhar o que eu via, e ficar feliz com o resultado, algo que não acontecia.
Então, 2024 foi um laboratório experimental, em que mergulhei bastante nos desenhos sem técnica no meu caderno, mas o meu desejo era ir além, até para me desafiar e sentir que poderia desenvolver um estilo próprio.
Nem todo mundo precisa de técnica, mas se for o seu caso, abrace o caos
Se propor a aprender algo novo, do zero, quando você é adulto, é algo bem difícil, na minha opinião.
Parece que, quando crianças, aprendemos mais rápido, até porque não sofremos com tantos bloqueios e crenças limitantes.
Então, se você está se propondo a aprender qualquer coisa, já tem os meus parabéns, pois essa decisão aparentemente simples já revela quanta coragem há dentro de você.
Comecei as aulas de desenho e pintura há dois meses e tem sido uma aventura compreender como há tanto a se aprender. Estou feliz por ter dado esse passo, porque realmente posso evoluir muito como artista por meio da técnica e das orientações que chegam por meio de profissionais mais experientes. Mas, ao mesmo tempo, sofro com a ansiedade pelo longo caminho que há pela frente… Tanto para aprender e menos tempo do que gostaria para me dedicar.
O importante é que, com a técnica, sinto que posso ir mais longe e explorar possibilidades que antes nem imaginava porque não conseguia enxergá-las sem a compreensão adequada sobre o assunto.
Criar tem sido um exercício de fé constante em acreditar no processo. É sobre ouvir as orientações dos professores e não ter medo de tentar e errar. No começo, quando a folha em branco está tomando forma, olho para os meus desenhos e acho todos péssimos, mas, depois de um tempo, quando os analiso finalizados e já me distanciei um pouco, fico tão orgulhosa de onde cheguei. Sei que ano passado não teria alcançado este lugar sozinha.
Veja bem como isso…
Se tornou isso…
Quando os professores me deram o desafio, eu não conseguia entender como um rascunho feito com carvão se transformaria na pintura da referência. Mas com calma, paciência e muitas orientações, cheguei lá. E não só cheguei, como amei o resultado!
Desenhar em perspectiva então… Tem sido outro pesadelo tão complexo quanto as aulas de química do colégio, mas decidi abraçar o desafio. Sem essa técnica, não conseguia desenhar várias cenas do meu cotidiano, então optei por encarar o monstrinho de uma vez por todas e, depois de duas aulas chatas (porque realmente não é legal aprender isso rsrs), cheguei a um resultado do qual me orgulho bastante:
Aprender a técnica, seja ao tocar um instrumento, cozinhar, desenhar, bordar ou qualquer outra atividade, exige abraçar o caos.
Porque quando você está começando, parece que nada vai dar certo, mas se você confiar no processo, eu juro que vai chegar lá, mesmo que demore mais do que o planejado.
Eu ainda quero criar sem técnica, mas também quero ter a possibilidade de ir além
Pra mim, a técnica se torna necessária quando gosto tanto de fazer algo que quero explorar, me desenvolver e me sentir desafiada para alcançar resultados que me deixem ainda mais feliz e satisfeita.
Eis um exemplo contrário: no final de 2024, eu e duas amigas nos reunimos para fazer enfeites natalinos de cerâmica. Passamos uma tarde conversando e criando as nossas peças, sem nenhuma pressão pela perfeição e sem interesse em evoluir tecnicamente. Só queríamos criar algo e nos divertir.
Nesse caso, eu não me importo com a técnica. É um hobby, algo que quero fazer para relaxar, sem me preocupar se estou evoluindo ou não. E isso não só é necessário, como recomendado.
Não precisamos ser excelentes em tudo o que fazemos. Está tudo bem só curtir o processo, sabe?
O mesmo vale para os meus desenhos. Eu quero continuar fazendo algumas coisas meio “toscas” no meu sketchbook, sem pressão, sem muita técnica, só pra curtir. Mas isso não anula o desejo de querer me desenvolver e ir além nessa área. Então, sim, meus desenhos com canetinhas sem perspectiva e nem luz e sombra sempre vão existir, mas eles serão apenas uma das minhas facetas como artista.
O artista que domina a técnica, pode quebrá-la quando quiser
Falando sobre perspectiva com meu professor de desenho, ele me mostrou algumas obras de Picasso que não seguem as “regras” dessa técnica.
E isso é o mais legal: quando você é tão bom em algo que é capaz de brincar com as regras do jogo para criar algo que vai além da técnica esperada. E artistas incríveis como Picasso conseguem fazer isso! Vale ler um pouco mais sobre a arte dele aqui.
Tem gente que acha que criar arte é apenas um dom, mas não é bem assim. Os artistas, em sua maioria, estudam muito. Estou lendo a biografia de Van Gogh também e é impressionante o quanto ele estudava. Os resultados incríveis que vemos nas telas não são resultado de um dom divino que surge do além.
Sim, algumas pessoas podem ter uma aptidão maior para uma atividade, no entanto, se querem evoluir, precisam treinar, estudar, errar… Não tem outro caminho!
Dominar a técnica, portanto, faz sentido quando você quiser aprimorar a sua arte e ter a liberdade de explorar novos caminhos. Mas, cá entre nós, está tudo bem se você não quiser ir por esse caminho.
🎨 3 prompts para começar a criar (mesmo sem técnica)
Prompts nada mais são do que alguns exercícios que vou sempre procurar incluir nas edições pagas da minha newsletter. O objetivo aqui é te ajudar a destravar, mesmo que você não domine todas as técnicas artísticas.
Eu também não domino, então acho que sou a pessoa certa pra te inspirar nessa jornada. 😅
1. Uma colagem inspira a outra
Criar colagens é um ótimo ponto de partida para quem está começando, porque acredito que seja um formato menos intimidador do que os desenhos.
Se você tem revistas, embalagens, sacolas, papéis coloridos ou qualquer outro material em casa, já pode começar.
O exercício aqui, pra facilitar, vai ser analisar uma das minhas colagens e, a partir das reflexões, pensamentos e sentimentos que ela evocar em você, criar algo com base nessa inspiração.
💡 Pegue um caderno ou uma folha com gramatura mais alta (tipo essa aqui) e comece a juntar imagens, papéis e o que mais a imaginação permitir para essa composição.
2. Uma imagem, uma frase
Ainda nas colagens, quero propor algo bem simples, que não tem como você se sentir bloqueado para fazer.
Escolha uma imagem e uma frase que te inspiram bastante e transmitam uma mensagem importante para você. Crie uma composição a partir disso, conforme o exemplo abaixo. Algo simples, tá bom?
💡 Algumas dicas:
Você pode rasgar a imagem para criar um efeito diferente;
Busque por frases prontas em revistas ou crie a sua própria frase;
Encontre inspirações de frases em livros que você ama ou letras de música.
3. Desenhos repetitivos
Que tal criar com o desenho de algo que você se sente confortável em repetir várias vezes? Nesse exemplo, usei o formato de um peixinho, brinquei com as cores e, no meio, coloquei uma frase impactante para a ideia que queria transmitir.
💡 Vamos lá: escolha um objeto, animal ou qualquer outra coisa e faça um “desenho repetitivo” transmitindo uma mensagem relevante pra você.
Basta papel e canetinhas ou lápis de cor para realizar este exercício.
Ufa! Chegamos ao fim desta segunda edição da newsletter “Por trás da Artista”.
Que tal escrever nos comentários se você gostou? Vou amar saber sua opinião e o que mais você quer ver por aqui. Até a próxima!
Com amor,
Bruna.